16 abril 2020

Até sempre, Luís Sepúlveda


De poeta para poeta, que de poesia está coberta a sua obra, homenageamos Luís Sepúlveda no dia do seu desaparecimento físico.





É um adeus…
Não vale a pena sofismar a hora!
É tarde nos meus olhos e nos teus…
Agora,
O remédio é partir discretamente,
Sem palavras,
Sem lágrimas,
Sem gestos.
De que servem lamentos e protestos
Contra o destino?
Cego assassino
A que nenhum poder
Limita a crueldade,
Só o pode vencer
A humanidade
Da nossa lucidez desencantada.
Antes da iniquidade
Consumada,
Um poema de lírico pudor,
Um sorriso de amor,
E mais nada.

Miguel Torga, in 'Diário XII'


Atrevemo-nos a deixar dois excertos de motivação para a leitura da vasta obra de Luís Sepúlveda:

António José Bolívar Proaño dormia pouco. Quando muito, cinco horas de noite e duas à sesta. Bastava-lhe isso. O resto do tempo, dedicava-os aos romances, a divagar acerca dos mistérios do amor e a imaginar os lugares onde aconteciam as histórias.
Ao ler acerca de cidades chamadas Paris, Londres ou Genebra, tinha de realizar um enorme esforço de concentração para as imaginar. Uma só vez  visitou uma cidade grande, Ibarra, da qual recordava sem grande precisão as ruas empedradas, os quarteirões de casas baixas semelhantes umas às outras, todas brancas, e a Praça de Armas cheia de gente a passear diante da catedral.
Esta era a sua maior referência  do mundo e, ao ler os enredos acontecidos em cidades de nomes longínquos e sérios como Praga ou Barcelona, achava que Ibarra, pelo nome, não era cidade apta para amores imensos.

In " O velho que lia romances de amor"

Obrigado pelas viagens através da leitura dos teus livros.



-Tu és uma gaivota. Nisso o chimpanzé tem razão, mas só nisso. Todos gostamos de ti, Ditosa. E gostamos de ti porque és uma gaivota, uma linda gaivota. Não te contradissemos quando te ouvimos grasnar que és um gato, porque nos lisonjeia que queiras ser como nós; mas és diferente, e gostamos de que sejas diferente. Não pudemos ajudar a tua mãe, mas a ti sim. Protegemos-te desde que saíste da casca. Demos-te todo o nosso carinho sem nunca pensarmos em fazer de ti um gato. Queremos-te gaivota. Sentimos que também gostas de nós, que somos teus amigos, a tua família, e é bom que saibas que contigo aprendemos uma coisa que nos enche de orgulho: aprendemos a apreciar, a respeitar e a gostar de um ser diferente. É muito fácil aceitar e gostar dos que são iguais a nós, mas fazê-lo com alguém diferente é muito difícil, e tu ajudaste-nos a consegui-lo. És uma gaivota e tens de seguir o teu destino de gaivota. Tens de voar. Quando conseguires, Ditosa, garanto-te que serás feliz, e então os teus sentimentos para connosco e os nossos para contigo serão mais intensos e belos, porque será a amizade entre seres totalmente diferentes.
-Tenho medo de voar – grasnou Ditosa endireitando-se.
-Quando isso acontecer eu estarei contigo - miou Zorbas lambendo-lhe a cabeça. -
Prometi isso à tua mãe.
A jovem gaivota e o gato grande, preto e gordo começaram a andar. Ele lambia-lhe a
cabeça com ternura e ela cobriu-lhe o dorso com uma das suas asas estendida.

In "História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar"

Obrigado por nos lembrares que é na diferença que está a maior riqueza da vida. 

Até sempre, Luís Sepúlveda!

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